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sexta-feira, 24 de junho de 2011

O sentimento de complacência em Kant


Para determinar a primeira característica do que é específico no juízo estético, Kant afirmou que nele reside o sentimento de complacência (wohlgefallen em alemão, que, ao pé da letra, significa “bem-estar”); o qual seria distinto de duas outras formas de complacência. Por um lado, diferente da complacência patológica, que é aquela que sentimos por algo somente por causa do prazer que nos proporciona sensorialmente, como uma comida, a companhia de alguém, uma atividade etc. Por outro lado, trata-se de uma complacência que se distingue da complacência prática, aquela condescendência que sentimos por algo por entendê-lo como justo e correto em si mesmo, como algo bom em si, ou seja, complacência relativa à lei moral (por exemplo, não devo matar, pois, assim como eu, o outro também tem o direito de ser um fim em si mesmo e não um meio para a minha satisfação ou insatisfação); diferente ainda da complacência que sentimos por algo relativamente bom, ou seja, útil (por exemplo, a ideia de que devemos cuidar do meio ambiente, pois isso é um meio adequado para atingir uma finalidade: não sermos extintos do planeta). Assim, veremos qual é a especificidade presente na complacência do juízo de gosto.
Kant chama de juízo a faculdade de unir representações, de unir sujeito e predicado e construir um conhecimento. Porém há duas formas distintas de juízo: os juízos determinantes e os juízos reflexionantes. Os primeiros são juízos que constituem o objeto; trata-se de um juízo intelectual, que forma o objeto empírico ao unificar o material da experiência. Assim, recebo a intuição do que seja um corpo e a intuição do que seja peso separadamente e, ao juntar as duas intuições, posso construir o conhecimento “o corpo é pesado”, por exemplo; isso seria um juízo determinante. Por outro lado, quando o juízo já encontra o objeto previamente constituído, resta-lhe refletir sobre o objeto para encontrar um meio de subordiná-lo a uma unidade ou lei subjetiva, o que ocorre com o juízo de gosto por um lado e com o juízo teleológico por outro – que julga os objetos a partir do princípio de finalidade. Ambos seriam juízos reflexionantes, que não constituem, não formam nenhum objeto da experiência e, por conseguinte, não constituem conhecimento algum. Atentemos ao primeiro juízo reflexionante, que é o nosso tema central, ainda que mais à frente aparecerá sua ligação com o juízo teleológico e ambos vão se tornar mais claros.
O juízo estético, de caráter reflexionante, relaciona a faculdade da imaginação (que é a faculdade que auxilia, como que num intermédio entre a intuição e o entendimento, o modo como em seguida o entendimento compõe e organiza o múltiplo da intuição) ao modo de disposição do ânimo do sujeito diante do qual o objeto se apresenta. Ou seja, o juízo estético não se refere em absoluto ao objeto, nem mediata, nem imediatamente; mas, sim, à disposição de ânimo do sujeito. É somente a partir dessa primeira determinação que é possível afirmar o caráter desinteressado do juízo estético, pois o seu fundamento de determinação reside puramente no modo como as faculdades de conhecimento do sujeito funcionam diante de certos objetos quando tidos como belos.
Em oposição ao juízo de gosto, que somente contempla, Kant apresenta os outros dois tipos de complacência e estabelece a comparação entre os três modos para salientar a especificidade do primeiro – o juízo de gosto. Se o agradável proporciona complacência, ela é vinculada de forma imediata à geração de inclinação, ou seja, ao deleite (vergnügen). Assim, por gerar prazer diretamente nos sentidos, faz com que o sujeito não desvincule sua complacência da existência do objeto, pois o interesse por ele é imediato, devido ao prazer proporcionado por ele aos sentidos.
Por outro lado, a complacência pode ser mediada pela reflexão, referindo-se ao que é bom, visando à utilidade ou ao que é bom em si mesmo. Mas aqui o que determina a impossibilidade de a complacência de um juízo de gosto residir na complacência pelo que é bom se dá duplamente:
  1. por um lado, porque aquilo que é julgado como bom gera interesse, pois passa a ser estimado; e
  2. para que algo possa ser considerado bom, é necessário um conceito prévio sobre o que a coisa propriamente é – algo é bom se coincidir com o seu conceito: por exemplo, um aparelho de som que para no meio da música não pode ser considerado bom, pois em seu conceito está a boa performance do funcionamento até que aquele que o utiliza não queira mais usá-lo).
Quer dizer, o juízo sobre o bom é duplamente inviabilizado de ser referido ao juízo de gosto porque gera interesse e porque exige conceitos; a contemplação estética não é dirigida a conceitos – acho uma paisagem bela não porque ela se enquadra num conceito prévio de “paisagem bela”, mas simplesmente por que sinto esse sentimento. Se houvesse conceitos aos quais o juízo de gosto se referisse, ele se tornaria juízo de conhecimento, tornar-se-ia determinante, e necessariamente deixaria de ser reflexionante, passando a poder ser afirmado de modo a exigir validade universal de forma objetiva.
Então, ao se dizer “a mesa é dura”, envolve-se a necessidade de assentimento de qualquer um por se tratar de mera aplicação de categorias ao objeto, tratando-se de um juízo lógico – determinação esta que não pode ser aplicada à proposição de juízo de gosto “a mesa é bela”, por exemplo. Assim, enquanto a complacência no agradável deleita e a complacência no bom faz com que o objeto seja estimado, a complacência não pode ser livre, pois em ambos os casos o objeto determina a complacência do sujeito. Dessa forma, entendamos o que caracteriza essa liberdade da complacência para que possamos compreender qual é o sentido do prazer decorrente dela.

KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Tradução de Valério Rohden e António Marques. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995.

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